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sábado, 22 de outubro de 2016

Amazônia resiste



 Contra a corrente, guardiões da floresta lutam para manter a Amazônia em pé
FINAL

Terra Indígena Kawahiva do Rio Pard       o
“A reação deles foi flechar, a minha foi correr”, conta o sertanista Jair Candor sobre encontro casual com indígenas Kawahiva do Rio Pardo, 100% isolados
 
Jair Candor, da Funai, é responsável pela TI Kawahiva do Rio Pardo


Marcelo Camargo/ Agência Brasil
A base da Fundação Nacional do Índio (Funai) na Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo fica a 114 quilômetros de Colniza e é liderada pelo sertanista Jair Candor, um dos mais experientes funcionários da fundação. Candor defende com paixão a demarcação da área, sob o argumento de que o fato de serem isolados deixa esses indígenas mais vulneráveis a violações, por desconhecerem seus direitos. “Eles não sabem os limites deles. Como que um índio isolado pode saber o limite dele. Ele nem sabe que existe isso. A mata é dele, sempre viveu ali. Se a terra dele é contígua com a reserva de uma fazenda, por exemplo, ele não diferencia o que é de quem”, explicou.

Jair Candor avalia que a história de contato dos “brancos” com os indígenas no Brasil é “um verdadeiro desastre”. Ele disse que o período de maior mortandade de índios foi na época dos contatos feitos de forma despreparada. “A Funai até hoje não tem equipes realmente preparadas para isso. Esses povos que vivem isolados são muito sensíveis ao contato. Qualquer gripe, qualquer coisa, pode matar. Se não tiver preparo de equipes de saúde, principalmente podemos levar esses grupos a extinção”, alertou.

“Desde 1999 aguardamos essa demarcação”, conta o sertanista. Jair Candor participou da expedição que, em junho de 99, encontrou vestígios de Kawahivas tradicionais, povo nômade que vive de caça e coleta, após um pesquisador de madeira avisar a Funai que tinha avistado indígenas na mata fechada. “Quando fomos verificar, encontramos 'tapiris', casinhas provisórias típica dos Kawahiva e outros objetos. Acreditamos que esses indígenas deixaram de praticar agricultura pela necessidade de fugas constantes devido aos ataques no território deles”.

  
                                           Instalações provisórios da sede da Funai na TI Kawahiva do Rio Pardo
                                            Marcelo Camargo/ Agência Brasil


Após a existência do grupo indígena ser comprovada, 166 mil hectares foram interditados por três anos para garantir a proteção dos índios. Pela Constituição Federal de 1988, os indígenas “detêm o direito originário e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Após estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, 411 mil hectares tiveram interdição definitiva em 2007.

Em 2011, Jair Candor liderou uma nova expedição na região e teve um encontro casual com os indígenas na mata fechada. Passado o susto, Jair lembra com humor a reação de cada grupo ao encontro. “A reação deles foi flechar. A nossa foi correr”, conta. “O único contato que tive foi visual. Registramos imagens de 9 pessoas. Estimamos que sejam cerca de 20 indígenas no total, 100% isolados. Eles nunca buscaram a nossa ajuda”, contou.

Após anos de espera, no dia 20 de abril, o Ministério da Justiça publicou a Portaria Declaratória da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, o primeiro passo para a demarcação definitiva da área, que estava interditada, mecanismo previsto para proteger povos isolados. "Fiquei muito feliz com a portaria. Foi um grande passo, mas temos que continuar lutando pela demarcação, porque a portaria ainda pode cair", disse.

 
                                                           Placa mostra o limite da TI Kawahiva do Rio Pardo
                                                                Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Desde a interdição da área, em 2007, a Funai aguardava a Portaria Declaratória do Ministério da Justiça, ato que reconhece a posse tradicional indígena. É essa declaração que autoriza que as áreas sejam demarcadas fisicamente, com a materialização dos marcos e georreferenciamento. A partir daí, a homologação é feita por meio de decreto presidencial.

Jair chegou na região em 1999 e viu mudanças rápidas que ameaçam o bem-estar dos índios isolados, entre elas, o crescimento acelerado das cidades. Jair viu a população de Colniza e de Guariba explodir. “A maior parte da população mais antiga veio dos estados da Região Sul do país e os mais recentes de Rondônia. Aqui tem muito madeireiro. Cheguei em 1999 e, desde então, chegou muita gente, muito rápido. Aqui teve muita morte por causa de terra e fazenda”, contou, lembrando que o município já liderou a lista dos mais violentos do estado.

A área da terra indígena tem problemas fundiários antigos. Partes eram ocupadas por fazendas e outra parte é terra devoluta. “Tudo aqui tem dono, mas se procurar documentação, não tem”, destacou Jair Candor. Ele lembrou que desde a interdição das fazendas que estavam na terra indígena, em 2007, muitas liminares de fazendeiros foram apresentadas contra a decisão. “Três fazendeiros da época da interdição conseguiram ficar na área e manter o que tinham, bois, por meio de liminar.” Segundo ele, há rumores de que fazendeiros com área interditada estimulam a grilagem para dificultar uma possível demarcação. “Passam por cima de tudo, é má fé”, julga o sertanista.

Jair Candor contou que quando a área foi ampliada, em 2007, a Operação Rio Pardo da Polícia Federal prendeu muita gente envolvida com grilagem e extração de madeira ilegal, inclusive políticos e poderosos conhecidos na região. “Nessa época aliviou e ficamos muito tempo sem invasão. Mas tem uns três anos que começou de novo. O Ibama dá uma força, mas é difícil conseguir pegar os verdadeiros culpados”, avaliou. “Mas aqui, quando ficam sabendo que o Ibama vem, os grileiros queimam as pontes para dificultar a chegada e dar tempo pra fugir”, completou.

Dedicação ao trabalho
 

                                                                   Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Jair Candor já recebeu incontáveis ameaças indiretas por estar há 17 anos defendendo a demarcação de terra e a proteção dos indígenas. “Já fui acusado de plantar índios e já ouvi comentários como 'fulano falou que você não passa de hoje. Toma cuidado' de moradores. O pessoal amigo me alerta sempre”, contou.

As instalações da Funai na TI Kawahiva do Rio Pardo ainda são provisórias e foram construídas pela equipe de campo. A sede definitiva, de alvenaria, não pode ser construída até que a terra seja regularizada. O acampamento provisório serve de lar para Jair Candor e outros funcionários por longos períodos. Jair chega a passar até 40 dias na reserva, longe da mulher e dos filhos, que vivem em Alta Floresta. “Acredito no trabalho que faço e faço o que gosto”, afirma.

Imerso na selva, Jair Candor já teve malária 42 vezes. “Pra mim já virou uma gripe, nem procuro mais médico”, brinca. A malária foi a causa do abandono de terras em muitos assentamentos da região.

Na base, há sempre de 4 a 6 funcionários que se revezam para fiscalizar a área, na tentativa de evitar invasões, e cuidam da estrutura do acampamento provisório, uma casa típica da região com um cômodo que acomoda até dez pessoas em redes e camas, mesa de jantar e cozinha. Eles produzem a maior parte dos vegetais e das frutas que consomem. O pequeno pomar rende visitas noturnas, diárias, de uma anta em busca das frutas. “Adora mamão”, comenta Jair.

No acampamento, há painéis solares e um gerador que garantem energia e acesso à internet. A área aberta pelo acampamento é pequena, cercada por floresta nativa. Há uma televisão onde a equipe assiste jornais e novelas antes de dormir. Acordam com o sol.
 
Expediente:
Reportagem: Maiana Diniz*
Imagem: Marcelo Camargo*
Infografia: Lia Magalhães Graça Silva
Edição: Lilian Beraldo
*Os repórters viajaram a convite da organização ANDI - Comunicação e Direitos, pelo projeto Mídia e Amazônia

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