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domingo, 27 de novembro de 2016

Interiorizar o atendimento médico

Voluntários levam centro cirúrgico a aldeias indígenas amazônicas



  • 27/11/2016 11h43
  • São Gabriel da Cachoeira (AM)
Aline Leal* - Repórter da Agência Brasil
Por cerca de uma semana, a população da Vila de Assunção do Içana, pertencente ao município de São Gabriel da Cachoeira (AM), no Alto do Rio Negro, pode contar com um centro cirúrgico, no meio da Floresta Amazônica. Distante cerca de três dias de barco da capital do Amazonas, Manaus, e acessível apenas em períodos de cheia do Rio Içana, a aldeia recebeu esta semana os Expedicionários da Saúde, uma organização sem fins lucrativos que leva atendimento médico especializado para a população indígena.

O atendimento é feito por médicos voluntários que, três vezes ao ano, escolhem uma região do estado para fazer o mutirão. Cirurgias como catarata, hérnia, tracoma, e outros procedimentos cirúrgicos, ginecológicos e pediátricos chegam aos indígenas em centros cirúrgicos móveis, que totalizam cerca de 15 toneladas de equipamentos. Voltada a 36 mil índios aldeados na região do Alto Rio Negro, no Amazonas, a ação conta com 45 médicos voluntários, que atuam em hospitais de referência como Albert Einstein e Sírio Libanês, em São Paulo.

“É difícil ir para Manaus. A gente não consegue, tem que deixar a família, fica lá largado até poder voltar. É bom demais poder fazer essa cirurgia aqui”, disse Divinória Gaudi, de 42 anos, da etnia Baniwa, que fez cirurgia de catarata. “Eu tive um pouco de medo antes da cirurgia, porque nós que moramos aqui não temos costume desse tipo de coisa, mas não doeu e já estou bem.”

Os moradores da região precisam esperar a cheia do rio para se deslocarem até Manaus, cidade mais próxima onde há centros cirúrgicos. Quando o problema é mais grave, eles são transportados por aviões da Força Aérea Brasileira, que atua no local e faz o transporte às quartas-feiras e aos domingos usando uma estrada de terra precária para pousos e decolagens. "Quando vem um ajuda dessa, a gente tem que aproveitar bem", disse o cacique tariano, Gracindo Almeida.

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Antes da chegada dos cirurgiões, profissionais de saúde do Distrito Sanitário Indígena do Alto Rio Negro fizeram uma primeira triagem dos habitantes que poderiam precisar de procedimentos cirúrgicos. Em seguida, os médicos fizeram uma análise especializada.

O mutirão teve início no dia 18. Balanço parcial (até o dia 22) mostra que foram feitos 770 atendimentos e 164 cirurgias. Além disso, os expedicionários também distribuem óculos de grau entre os que precisam.

O médico ortopedista Ricardo Ferreira, um dos fundadores da organização, conta que o movimento foi idealizado depois de um passeio de amigos pelo Pico da Neblina. “Nesse passeio vimos tantas necessidades, tanta miséria, que decidimos fazer algo”, relembrou. Além do trabalho voluntário dos médicos, o grupo também consegue doações de equipamentos e medicamentos de grandes empresas. “É tudo doação. O governo entra com a logística, ajudando na triagem, no transporte, na comida e em algumas instalações locais”, afirmou Ferreira. A Expedicionários da Saúde já existe há treze anos e ao todo já foram feitas 36 expedições.

Na última quarta-feira (23), o ministro da Saúde, Ricardo Barros, visitou as instalações da organização. Segundo Barros, até maio de 2017, o ministério deve ter reuniões com lideranças indígenas para elaboração de um novo plano de atenção à saúde indígena que ambém ajude a melhorar a situação dos que vivem em aldeias isoladas. “A atuação profissional nesses locais é um desafio que temos que resolver juntos [União, estados e municípios], encontrar uma forma de levar atenção à saúde indígena."


*A repórter esteve na Vila de Assunção do Içana a convite do Ministério da Saúde
Edição: Lílian Beraldo

domingo, 13 de novembro de 2016

Paz nas Américas



Governo brasileiro apoia novo acordo de paz entre governo da Colômbia e as Farc




  • 13/11/2016 13h38
  • Brasília
Sabrina Craide - Repórter da Agência Brasil
A notícia sobre o novo acordo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) foi recebida com “grande satisfação” pelo governo brasileiro. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores diz que o governo brasileiro espera que o novo texto obtenha o necessário apoio da cidadania colombiana e que o mesmo espírito de boa vontade e de reconciliação nacional prevaleça durante a implementação do acordo de paz,

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“Como sempre, o Brasil continuará a contribuir, na medida de suas possibilidades e de acordo com o que solicite o governo colombiano, para que a paz chegue definitivamente à Colômbia, país vizinho e amigo ao qual, neste momento histórico, reiteramos nossas felicitações e nossa solidariedade”, diz o Itamaraty.

O comunicado conjunto divulgado ontem (12) em Havana diz que o novo acordo abrange mudanças, precisões e contribuições dos mais diversos setores da sociedade, depois do resultado do plebiscito do dia 2 de outubro, que rejeitou o acordo de paz estabelecido anteriormente.

O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, afirmou que, apesar de o acordo anterior ter sido considerado um dos melhores e mais completos, ele reconhece que o novo é melhor. "Este novo acordo de paz com as Farc retoma e reflete as propostas e as ideias de todos aqueles que participaram no diálogo nacional e responde e esclarece as preocupações que muitos tinham contra o significado do acordo ou a sua aplicação", disse.
Edição: Aécio Amado
 


sábado, 22 de outubro de 2016

Amazônia resiste



 Contra a corrente, guardiões da floresta lutam para manter a Amazônia em pé
FINAL

Terra Indígena Kawahiva do Rio Pard       o
“A reação deles foi flechar, a minha foi correr”, conta o sertanista Jair Candor sobre encontro casual com indígenas Kawahiva do Rio Pardo, 100% isolados
 
Jair Candor, da Funai, é responsável pela TI Kawahiva do Rio Pardo


Marcelo Camargo/ Agência Brasil
A base da Fundação Nacional do Índio (Funai) na Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo fica a 114 quilômetros de Colniza e é liderada pelo sertanista Jair Candor, um dos mais experientes funcionários da fundação. Candor defende com paixão a demarcação da área, sob o argumento de que o fato de serem isolados deixa esses indígenas mais vulneráveis a violações, por desconhecerem seus direitos. “Eles não sabem os limites deles. Como que um índio isolado pode saber o limite dele. Ele nem sabe que existe isso. A mata é dele, sempre viveu ali. Se a terra dele é contígua com a reserva de uma fazenda, por exemplo, ele não diferencia o que é de quem”, explicou.

Jair Candor avalia que a história de contato dos “brancos” com os indígenas no Brasil é “um verdadeiro desastre”. Ele disse que o período de maior mortandade de índios foi na época dos contatos feitos de forma despreparada. “A Funai até hoje não tem equipes realmente preparadas para isso. Esses povos que vivem isolados são muito sensíveis ao contato. Qualquer gripe, qualquer coisa, pode matar. Se não tiver preparo de equipes de saúde, principalmente podemos levar esses grupos a extinção”, alertou.

“Desde 1999 aguardamos essa demarcação”, conta o sertanista. Jair Candor participou da expedição que, em junho de 99, encontrou vestígios de Kawahivas tradicionais, povo nômade que vive de caça e coleta, após um pesquisador de madeira avisar a Funai que tinha avistado indígenas na mata fechada. “Quando fomos verificar, encontramos 'tapiris', casinhas provisórias típica dos Kawahiva e outros objetos. Acreditamos que esses indígenas deixaram de praticar agricultura pela necessidade de fugas constantes devido aos ataques no território deles”.

  
                                           Instalações provisórios da sede da Funai na TI Kawahiva do Rio Pardo
                                            Marcelo Camargo/ Agência Brasil


Após a existência do grupo indígena ser comprovada, 166 mil hectares foram interditados por três anos para garantir a proteção dos índios. Pela Constituição Federal de 1988, os indígenas “detêm o direito originário e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Após estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, 411 mil hectares tiveram interdição definitiva em 2007.

Em 2011, Jair Candor liderou uma nova expedição na região e teve um encontro casual com os indígenas na mata fechada. Passado o susto, Jair lembra com humor a reação de cada grupo ao encontro. “A reação deles foi flechar. A nossa foi correr”, conta. “O único contato que tive foi visual. Registramos imagens de 9 pessoas. Estimamos que sejam cerca de 20 indígenas no total, 100% isolados. Eles nunca buscaram a nossa ajuda”, contou.

Após anos de espera, no dia 20 de abril, o Ministério da Justiça publicou a Portaria Declaratória da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, o primeiro passo para a demarcação definitiva da área, que estava interditada, mecanismo previsto para proteger povos isolados. "Fiquei muito feliz com a portaria. Foi um grande passo, mas temos que continuar lutando pela demarcação, porque a portaria ainda pode cair", disse.

 
                                                           Placa mostra o limite da TI Kawahiva do Rio Pardo
                                                                Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Desde a interdição da área, em 2007, a Funai aguardava a Portaria Declaratória do Ministério da Justiça, ato que reconhece a posse tradicional indígena. É essa declaração que autoriza que as áreas sejam demarcadas fisicamente, com a materialização dos marcos e georreferenciamento. A partir daí, a homologação é feita por meio de decreto presidencial.

Jair chegou na região em 1999 e viu mudanças rápidas que ameaçam o bem-estar dos índios isolados, entre elas, o crescimento acelerado das cidades. Jair viu a população de Colniza e de Guariba explodir. “A maior parte da população mais antiga veio dos estados da Região Sul do país e os mais recentes de Rondônia. Aqui tem muito madeireiro. Cheguei em 1999 e, desde então, chegou muita gente, muito rápido. Aqui teve muita morte por causa de terra e fazenda”, contou, lembrando que o município já liderou a lista dos mais violentos do estado.

A área da terra indígena tem problemas fundiários antigos. Partes eram ocupadas por fazendas e outra parte é terra devoluta. “Tudo aqui tem dono, mas se procurar documentação, não tem”, destacou Jair Candor. Ele lembrou que desde a interdição das fazendas que estavam na terra indígena, em 2007, muitas liminares de fazendeiros foram apresentadas contra a decisão. “Três fazendeiros da época da interdição conseguiram ficar na área e manter o que tinham, bois, por meio de liminar.” Segundo ele, há rumores de que fazendeiros com área interditada estimulam a grilagem para dificultar uma possível demarcação. “Passam por cima de tudo, é má fé”, julga o sertanista.

Jair Candor contou que quando a área foi ampliada, em 2007, a Operação Rio Pardo da Polícia Federal prendeu muita gente envolvida com grilagem e extração de madeira ilegal, inclusive políticos e poderosos conhecidos na região. “Nessa época aliviou e ficamos muito tempo sem invasão. Mas tem uns três anos que começou de novo. O Ibama dá uma força, mas é difícil conseguir pegar os verdadeiros culpados”, avaliou. “Mas aqui, quando ficam sabendo que o Ibama vem, os grileiros queimam as pontes para dificultar a chegada e dar tempo pra fugir”, completou.

Dedicação ao trabalho
 

                                                                   Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Jair Candor já recebeu incontáveis ameaças indiretas por estar há 17 anos defendendo a demarcação de terra e a proteção dos indígenas. “Já fui acusado de plantar índios e já ouvi comentários como 'fulano falou que você não passa de hoje. Toma cuidado' de moradores. O pessoal amigo me alerta sempre”, contou.

As instalações da Funai na TI Kawahiva do Rio Pardo ainda são provisórias e foram construídas pela equipe de campo. A sede definitiva, de alvenaria, não pode ser construída até que a terra seja regularizada. O acampamento provisório serve de lar para Jair Candor e outros funcionários por longos períodos. Jair chega a passar até 40 dias na reserva, longe da mulher e dos filhos, que vivem em Alta Floresta. “Acredito no trabalho que faço e faço o que gosto”, afirma.

Imerso na selva, Jair Candor já teve malária 42 vezes. “Pra mim já virou uma gripe, nem procuro mais médico”, brinca. A malária foi a causa do abandono de terras em muitos assentamentos da região.

Na base, há sempre de 4 a 6 funcionários que se revezam para fiscalizar a área, na tentativa de evitar invasões, e cuidam da estrutura do acampamento provisório, uma casa típica da região com um cômodo que acomoda até dez pessoas em redes e camas, mesa de jantar e cozinha. Eles produzem a maior parte dos vegetais e das frutas que consomem. O pequeno pomar rende visitas noturnas, diárias, de uma anta em busca das frutas. “Adora mamão”, comenta Jair.

No acampamento, há painéis solares e um gerador que garantem energia e acesso à internet. A área aberta pelo acampamento é pequena, cercada por floresta nativa. Há uma televisão onde a equipe assiste jornais e novelas antes de dormir. Acordam com o sol.
 
Expediente:
Reportagem: Maiana Diniz*
Imagem: Marcelo Camargo*
Infografia: Lia Magalhães Graça Silva
Edição: Lilian Beraldo
*Os repórters viajaram a convite da organização ANDI - Comunicação e Direitos, pelo projeto Mídia e Amazônia