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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Amazônia resiste




Contra a corrente, guardiões da floresta lutam para manter a Amazônia em pé







Sem atravessadores, coleta da castanha-do-Brasil gera renda sustentável para ribeirinhos extrativistas
Presidente da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Barra-Guariba, Ailton Pereira dos Santos, avalia que, apesar das dificuldades que os ribeirinhos ainda enfrentam, a vida melhorou muito desde que a população se organizou na luta por direitos.

Ailton lembra que até o final dos anos 80 não havia acesso por estradas até cidades de Mato Grosso. “Essa região não era reconhecida pelo estado. Até 1995, não tinha dinheiro aqui.”



 Ribeirinho Valterino Ferreiro dos Santos, o Teca
Marcelo Camargo/ Agência Brasil


O único contato dos ribeirinhos com o mundo exterior era por meio dos “marreteiros”, como eram chamados os atravessadores que vinham do Amazonas e passavam de barco pelas comunidades trocando mercadorias pela produção dos extrativistas. “Trabalhávamos o ano todo e no final sempre ficávamos devendo”, recorda o extrativista Valterino Ferreira Santos, também morador da reserva.

Se era ruim com os marreteiros, a população viveu um tempo ainda pior quando eles pararam de aparecer. “Tínhamos a mercadoria, mas não tínhamos para quem vender”, explicou Ailton. Quando o governo de Mato Grosso criou pontos de fiscalização no Rio Guariba para impedir o acesso dos marreteiros, a comunidade enfrentou problemas sérios. “Muitas famílias foram embora nessa época, foi difícil sobreviver aqui” contou Valterino, o Teca, lembrando que nesse período os que ficaram vendiam o que extraiam por preços muito baixos para atravessadores que apareciam ocasionalmente.

A situação começou a mudar em 2006 quando a comunidade passou a ter o apoio do Projeto Pacto das Águas, patrocinado pela Petrobras, que capacitou os extrativistas em boas práticas e prestou assessoria para a elaboração de projetos para captação de recursos e para a construção de parcerias comerciais mais justas. Depois de muito trabalho de conscientização sobre a importância de se organizarem, em 2010, foi criada a Associação de Moradores.

Laerte, filho do Teca, mostra estoque de castanha-do-brasil
Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Atualmente, a mesma castanha que antes não trazia lucros, gera renda e melhora a qualidade de vida das famílias da região. Desde 2013, a associação firmou um contrato com a Conab, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Formação de Estoque que garante um empréstimo a juros baixos para a Amorar. Para a safra de 2015/2016, a associação recebeu R$ 200 mil.

Com o recurso, a associação compra a produção das famílias à vista e estoca a castanha para negociar posteriormente com o melhor valor. “Hoje a gente que dá o preço, não precisamos mais dos atravessadores. São as empresas que procuram a gente, nem precisamos ir atrás”, disse Ailton.

Este ano a associação comprou 40 mil quilos de castanha a R$ 3,20 o quilo.

Ailton afirmou que a maior parte da produção é vendida in natura. Os associados sabem que o beneficiamento do produto aumentaria as margens de lucro da comunidade, mas os planos ainda são incipientes.

Valterino destacou que a maior parte do dinheiro fica na Vila do Guariba. “Não é bom só para os extrativistas, faz girar a economia da região.”

 Ailton mostra o galpão para armazenar castanha
Marcelo Camargo/ Agência Brasil

A profissionalização ainda é baixa, mas os moradores comemoram avanços recentes como a construção de galpões nas colocações para que cada família extrativista possa armazenar o produto antes de escoá-lo rio abaixo até a associação, que fica ao lado da ponte, evitando o apodrecimento da castanha. Outro avanço é o crescente acesso ao crédito, que permitiu à associação a compra de um barco tipo voadeira para uso de toda a comunidade.

O presidente da associação está preocupado com uma nova modalidade de invasão que passou a ocorrer desde que a castanha passou a dar dinheiro, a grilagem da castanha. Segundo ele, na última temporada da castanha, que vai de novembro a abril, os moradores da Resex perceberam que alguns castanhais haviam sido saqueados. “Aqui na comunidade todo mundo se conhece e sabe bem quais são os locais de coleta. Ao chegarmos em algumas áreas, vimos que a castanha já havia sido levada. Na associação, só compramos castanha dos associados, mas é possível vender com preço um pouco mais baixo em outros locais.”

 Ribeirinhos na associação de extrativistas da Resex
Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Muitos moradores da Resex reclamaram que a Cooperativa Mista do Guariba (Comigua), criada a partir de uma parceria com a Universidade Federal do Mato Grosso para beneficiar a castanha-do-Brasil, pode representar um risco para a Associação de Moradores da Resex, por viabilizar a venda de castanha de origem desconhecida. A cooperativa paga R$ 3 pelo quilo da castanha com casca e qualquer pessoa pode se tornar cooperado mediante o pagamento de uma taxa de R$ 1,5 mil.

A Comigua tem maquinário superior ao da Associação de Moradores da Reserva, o que permite que possam embalar a castanha e fabricar barras de cereais e biscoitos.

Gerente da Resex Guariba-Roosevelt, José Primo
Marcelo Camargo/ Agência Brasil

O gerente da Resex Guariba-Roosevelt, José Cândido Primo, trabalha como voluntário na cooperativa e afirma que o objetivo não é concorrer com a associação, mas incentivar a cadeia econômica da castanha na região e envolver cada vez mais a população local, sem distinção entre extrativistas tradicionais e pessoas que atuavam em outros ramos. “Queremos mostrar que existem alternativas econômicas na região que não dependem da destruição da floresta”, diz Primo.

“O distrito de Guariba tem cerca de 5 mil moradores. Os envolvidos com extrativismo não chegam a mil. A cooperativa é totalmente independente de governos e somos abertos a quem quiser participar. O extrativismo precisa ser uma parte mais relevante da economia daqui. No meu ponto de vista, está longe de acontecer”.

José Cândido Primo chegou na região em 2005 com a função de ajudar as pessoas da região a se organizar. “Quando cheguei aqui estava no auge do desmate e da ocupação por madeireiros. Foi muito complicado quando chegamos dizendo que o desmate como era feito não era viável. Ninguém acreditava no extrativismo.” Ele avalia que as pessoas estão cada vez mais receptivas à ideia.
CONTINUA...

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Ainda a imensa Amazônia




                                                   
  Professor Ailton e a esposa, Artemísia dos Santos
       Marcelo Camargo/ Agência Brasil

O líder comunitário Ailton Pereira dos Santos, marido de Artemísia, disse que é comum as pessoas deixarem o benefício acumular por mais de um mês para compensar os gastos com a viagem. “Para ir até Aripuanã de ônibus, município vizinho de Colniza onde a maioria recebe, custa R$ 100. Ida e volta, R$ 200. Ainda é preciso somar a gasolina do barco para chegar até a estrada. O ideal seria que alguém buscasse os beneficiários para irem todos juntos à cidade ou que os benefícios fossem pagos na própria comunidade”, avalia Ailton. “Outro problema é que se atrasarmos mais de três meses, o benefício é bloqueado”, afirma Artemísia.

O acesso dos moradores a serviços de saúde também é precário. Para chegar até o posto de saúde mais próximo, no distrito de Guariba, leva-se até quatro horas nos barcos comuns da região, ou uma hora e meia em barcos rápidos até a ponte na estrada, mais 15km até o distrito. Se for necessário ir à cidade de Colniza, a viagem pode levar até seis horas.

Os moradores da comunidade se ressentem de meios de se comunicar. Não há rede de telefonia no local. Recentemente a escola da comunidade recebeu computadores. Para viabilizar o acesso à internet, painéis solares de um projeto do Ministério da Ciência e Tecnologia foram instalados. A expectativa para que a internet possa ser usada, principalmente entre os mais jovens, é grande, mas a data ainda não foi definida.

Algumas casas têm televisão que funciona com gerador, mas os entrevistados contaram que a principal fonte de informação da população ribeirinha é o rádio.

O professor Ailton Pereira dos Santos é o educador responsável pela escola de ensino fundamental da comunidade há 19 anos. Com cerca de 40 crianças de idades variadas, a escola fica na colocação em que Ailton mora, herdada do avô, que foi seringueiro. “Esse lugar aqui é uma colocação antiga que foi do meu avô, que viveu aqui há mais de 50 anos. E a gente está dando continuidade até hoje ao que ele deixou pra gente.”

                                 Crianças na escola da comunidade São Lourenço, na Resex Guariba-Roosevelt
                                                                  Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Ele lembra que não havia escola em São Lourenço durante sua infância o que o obrigou a deixar a comunidade por alguns anos para estudar. “Os mais antigos não tiveram oportunidade de estudar, porque não tinha escola aqui. As pessoas viviam da extração dos produtos, não estudavam e não tinham formação. A partir da década de 90, começamos a reivindicar porque tinha muita criança aqui na época. Aí fundamos a escolinha, que começou com quatro alunos”, contou.

Devido a limitações climáticas, a escola não segue o calendário regular. O clima na região varia entre dois períodos bem definidos: o das águas, que chove muito, de dezembro a junho, e o da seca, que não chove e o nível do rio baixa. Como o transporte dos alunos é feito de barco, o acesso dos alunos na época de seca se torna inviável. “Reunimos a comunidade, discutimos uma proposta e apresentamos à Secretaria de Educação. Criamos um calendário que atende a comunidade. Dura sete meses. Começa em janeiro e vai até julho”, explicou Ailton. As crianças ficam o dia todo na escola, almoçam, praticam atividades paralelas, nadam, brincam, aprendem na horta e nos pontos de coleta.

  Menina brinca no Rio Guariba na hora do recreio da escola da comunidade ribeirinha São Lourenço, na  Reserva   Extrativista Guariba-Roosevelt - Marcelo Camargo/ Agência Brasil

No início, os alunos iam para a escola remando, muitos contra a corrente do rio. Hoje a comunidade tem um barco escolar, dirigido por Alísio, que busca os estudantes em casa.

Durante visita da equipe da Agência Brasil, no final de março, Artemísia e Ailton estavam apreensivos com a partida das duas filhas adolescentes, de 15 e 16 anos, para Juína, onde vão estudar no instituto federal da cidade. Como a escola da comunidade só vai até o 9º ano do ensino fundamental, quem quer estudar mais precisa ir embora.

A preocupação de Ailton é a mesma dos outros pais da região: além da insegurança com os perigos da cidade e da angústia de não ter os filhos por perto, eles temem que os jovens percam o vínculo com a comunidade e se afastem da cultura em que cresceram. “As pessoas terminam o fundamental e não tem jeito, se quiserem continuar precisam ir para longe. Isso não é legal. Se a gente pudesse trazer uma formação para a comunidade, ou mais próximo, seria melhor.”

Patrícia e Talia Santos tiveram que se mudar para Juína para estudar
Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Patrícia e Talia Pereira dos Santos, filhas de Artemísia e Ailton, nunca haviam saído da comunidade nem se afastado dos pais. “Estou ansiosa e triste por ter que ficar longe da minha família e amigas”, disse Patrícia. “Eu preferia estudar aqui. Quero me formar e vir trabalhar pelo meu povo, não tenho vontade de ir para outro lugar”, disse Talia. Ela disse amar a vida calma de São Lourenço, onde gosta de pescar e nadar.

Desde meados de abril, as duas estudam em um curso técnico de meio ambiente no Instituto Federal de Juína. Elas se mudaram no dia 9 de abril e moram no alojamento do colégio.
continua...