Contra a corrente, guardiões da
floresta lutam para manter a Amazônia em pé
Sem atravessadores, coleta da
castanha-do-Brasil gera renda sustentável para ribeirinhos extrativistas
Presidente da Associação dos Moradores da Reserva
Extrativista Barra-Guariba, Ailton Pereira dos Santos, avalia que, apesar das
dificuldades que os ribeirinhos ainda enfrentam, a vida melhorou muito desde
que a população se organizou na luta por direitos.
Ailton lembra que até o final dos anos 80 não havia
acesso por estradas até cidades de Mato Grosso. “Essa região não era
reconhecida pelo estado. Até 1995, não tinha dinheiro aqui.”
Ribeirinho Valterino Ferreiro dos Santos, o Teca
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
O único contato dos ribeirinhos com o mundo
exterior era por meio dos “marreteiros”, como eram chamados os atravessadores
que vinham do Amazonas e passavam de barco pelas comunidades trocando
mercadorias pela produção dos extrativistas. “Trabalhávamos o ano todo e no
final sempre ficávamos devendo”, recorda o extrativista Valterino Ferreira
Santos, também morador da reserva.
Se era ruim com os marreteiros, a população viveu
um tempo ainda pior quando eles pararam de aparecer. “Tínhamos a mercadoria,
mas não tínhamos para quem vender”, explicou Ailton. Quando o governo de Mato
Grosso criou pontos de fiscalização no Rio Guariba para impedir o acesso dos
marreteiros, a comunidade enfrentou problemas sérios. “Muitas famílias foram
embora nessa época, foi difícil sobreviver aqui” contou Valterino, o Teca,
lembrando que nesse período os que ficaram vendiam o que extraiam por preços
muito baixos para atravessadores que apareciam ocasionalmente.
A situação começou a mudar em 2006 quando a
comunidade passou a ter o apoio do Projeto Pacto das Águas, patrocinado pela
Petrobras, que capacitou os extrativistas em boas práticas e prestou assessoria
para a elaboração de projetos para captação de recursos e para a construção de
parcerias comerciais mais justas. Depois de muito trabalho de conscientização
sobre a importância de se organizarem, em 2010, foi criada a Associação de
Moradores.
Laerte, filho do Teca, mostra estoque de
castanha-do-brasil
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Atualmente, a mesma castanha que antes não trazia
lucros, gera renda e melhora a qualidade de vida das famílias da região. Desde
2013, a associação firmou um contrato com a Conab, por meio do Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) Formação de Estoque que garante um empréstimo a
juros baixos para a Amorar. Para a safra de 2015/2016, a associação recebeu R$
200 mil.
Com o recurso, a associação compra a produção das
famílias à vista e estoca a castanha para negociar posteriormente com o melhor
valor. “Hoje a gente que dá o preço, não precisamos mais dos atravessadores.
São as empresas que procuram a gente, nem precisamos ir atrás”, disse Ailton.
Este ano a associação comprou 40 mil quilos de
castanha a R$ 3,20 o quilo.
Ailton afirmou que a maior parte da produção é
vendida in natura. Os associados sabem que o beneficiamento do produto
aumentaria as margens de lucro da comunidade, mas os planos ainda são
incipientes.
Valterino destacou que a maior parte do dinheiro
fica na Vila do Guariba. “Não é bom só para os extrativistas, faz girar a
economia da região.”
Ailton mostra o galpão para armazenar castanha
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
A profissionalização ainda é baixa, mas os
moradores comemoram avanços recentes como a construção de galpões nas
colocações para que cada família extrativista possa armazenar o produto antes
de escoá-lo rio abaixo até a associação, que fica ao lado da ponte, evitando o
apodrecimento da castanha. Outro avanço é o crescente acesso ao crédito, que
permitiu à associação a compra de um barco tipo voadeira para uso de toda a
comunidade.
O presidente da associação está preocupado com uma
nova modalidade de invasão que passou a ocorrer desde que a castanha passou a
dar dinheiro, a grilagem da castanha. Segundo ele, na última temporada da
castanha, que vai de novembro a abril, os moradores da Resex perceberam que
alguns castanhais haviam sido saqueados. “Aqui na comunidade todo mundo se
conhece e sabe bem quais são os locais de coleta. Ao chegarmos em algumas
áreas, vimos que a castanha já havia sido levada. Na associação, só compramos
castanha dos associados, mas é possível vender com preço um pouco mais baixo em
outros locais.”
Ribeirinhos na associação de extrativistas da Resex
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Muitos moradores da Resex reclamaram que a
Cooperativa Mista do Guariba (Comigua), criada a partir de uma parceria com a
Universidade Federal do Mato Grosso para beneficiar a castanha-do-Brasil, pode
representar um risco para a Associação de Moradores da Resex, por viabilizar a
venda de castanha de origem desconhecida. A cooperativa paga R$ 3 pelo quilo da
castanha com casca e qualquer pessoa pode se tornar cooperado mediante o
pagamento de uma taxa de R$ 1,5 mil.
A Comigua tem maquinário superior ao da Associação
de Moradores da Reserva, o que permite que possam embalar a castanha e fabricar
barras de cereais e biscoitos.
Gerente da Resex Guariba-Roosevelt, José Primo
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
O gerente da Resex Guariba-Roosevelt, José Cândido
Primo, trabalha como voluntário na cooperativa e afirma que o objetivo não é
concorrer com a associação, mas incentivar a cadeia econômica da castanha na
região e envolver cada vez mais a população local, sem distinção entre
extrativistas tradicionais e pessoas que atuavam em outros ramos. “Queremos
mostrar que existem alternativas econômicas na região que não dependem da
destruição da floresta”, diz Primo.
“O distrito de Guariba tem cerca de 5 mil
moradores. Os envolvidos com extrativismo não chegam a mil. A cooperativa é
totalmente independente de governos e somos abertos a quem quiser participar. O
extrativismo precisa ser uma parte mais relevante da economia daqui. No meu
ponto de vista, está longe de acontecer”.
José Cândido Primo chegou na região em 2005 com a
função de ajudar as pessoas da região a se organizar. “Quando cheguei aqui
estava no auge do desmate e da ocupação por madeireiros. Foi muito complicado
quando chegamos dizendo que o desmate como era feito não era viável. Ninguém
acreditava no extrativismo.” Ele avalia que as pessoas estão cada vez mais
receptivas à ideia.
CONTINUA...