Altamira
enfrenta a ressaca de Belo Monte
5 abril, 2016
As pesadas e gigantescas
máquinas, tratores e caminhões fora de estrada que nos últimos cinco anos
removeram milhares de toneladas de terra e pedra para dar forma à Hidrelétrica
Belo Monte deram lugar a um trabalho quase manual. Agora, profissionais
treinados fazem o acabamento final da terceira maior usina do mundo. Sob um
calor que beira os 35 graus nessa época do ano, cerca de 10 mil trabalhadores
correm contra o tempo para inaugurar, com mais de um ano de atraso, a primeira
turbina do projeto. Alguns vivem pendurados nas alturas para soldar os enormes
dutos por onde passará a água que vai gerar energia. Outros gastam o dia
empilhando milhares de placas milimétricas dentro da enorme roda que abrigará a
turbina.
Se todo esse esforço der certo,
no dia 16 de abril a emblemática Belo Monte produzirá seus primeiros 611
megawatts de energia. Três dias depois, uma nova turbina, desta vez de 38 MW,
também começará a operar. A partir daí, o cronograma prevê a entrada de uma
nova máquina a cada dois meses até 2019 – quando a hidrelétrica alcançará sua
potência máxima, de 11.233 MW.
Mas, conforme a usina avança, a
cidade de Altamira, no oeste do Pará, vive uma espécie de ressaca: a economia
minguou, a população cresceu, os índices de criminalidade aumentaram e a nova
infraestrutura, com hospital e rede de água e esgoto, construída por causa da
usina, continua parada.
Com 95% das obras de
terraplenagem concluídas, a megausina iniciou no ano passado o processo de
desmobilização do canteiro de obras. Dos 32 mil trabalhadores contratados até
2014, 22 mil foram demitidos. A nova fase do empreendimento, que envolve mais a
montagem das máquinas, atingiu em cheio as empresas da cidade, especialmente as
do setor de material de construção – que também sofrem com a crise econômica do
País.
Com a demanda mais fraca e
aumento da concorrência, algumas lojas tradicionais de Altamira já decidiram
fechar as portas. A Comercial Valente, do empresário Valdir Narzetti, colocou
até o prédio à venda. Na Comacol, loja que tem mais de 30 anos, os funcionários
estão cumprindo aviso prévio, diz o proprietário Jucelino Francisco Covre. O
setor imobiliário é outro que foi pego no contrapé. Depois de investirem pesado
na construção de imóveis para abrigar funcionários das empresas que chegaram
para construir a hidrelétrica, as unidades estão vazias. Algumas ainda nem
ficaram prontas.
O reflexo da baixa demanda foi
imediato. O aluguel de uma residência de 3 ou 4 dormitórios, que antes custava
R$ 4 mil, hoje não passa de R$ 1,8 mil, segundo dados da imobiliária Consulte
Imóvel. Uma casa com piscina, bastante procurada no início da obra, era alugada
por R$ 6 mil. Hoje, o proprietário não consegue nem R$ 2 mil por ela. Segundo a
imobiliária, a procura por imóveis para alugar caiu 40% no último ano. “A
cidade está parada, e ainda nem sentimos todo o impacto das demissões em Belo
Monte”, afirma Narzetti, destacando que os ex-funcionários da usina ainda estão
gastando a indenização.
O presidente da Associação
Comercial de Altamira, Milton Elias Fischer, conta que, embora todos soubessem
que um dia haveria a desmobilização, o movimento surpreendeu o comércio. “Pegou
todo mundo de calça curta. Sabíamos que haveria um fim, mas esperávamos que a
desmobilização fosse mais gradativa.” Ele conta que muita gente pegou
empréstimo no banco para investir em novos negócios e nem teve tempo para
começar a operar. O sentimento de muitos moradores de Altamira é que a cidade
perdeu o bonde para reduzir pelo menos parte da dívida social de mais de 100
anos.
No início da década, quando os
primeiros engenheiros e máquinas começaram a desembarcar na cidade para
construir Belo Monte, os empresários apostavam no empreendimento como um trampolim
para o desenvolvimento do município, que em 2010 tinha um Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH)) de 0,665 – semelhante ao de países como Vietnã,
Iraque e Bolívia. “Acreditávamos que mais investimentos viriam para a cidade de
forma definitiva. Mas vieram apenas os fornecedores da usina, cumpriram o
contrato e já foram embora”, afirma Narzetti. “Continuamos sem um grande
supermercado e, dos shoppings planejados, apenas um pequeno virou realidade.”
Infraestrutura
Mas, apesar dos entraves, algumas
melhorias foram feitas. Falta apenas a prefeitura entrar em acordo com a Norte
Energia para assumir os novos ativos, como o hospital e a rede de água e
esgoto. No total, a Norte Energia investiu quase R$ 4 bilhões em ações
socioambientais como parte das contrapartidas para construção da hidrelétrica.
Mas, por enquanto, a população só vê os transtornos das obras na cidade. A rede
de água e esgoto construída pela Norte Energia para atender 100% do município
está pronta há 18 meses. Na prática, no entanto, nada mudou. A maioria dos
moradores continua usando o sistema antigo de fossas e poços. A briga ficou em
torno da conexão das residências à rede. A prefeitura argumentava que não tinha
condição de assumir os ativos e a conta, que beirava os R$ 30 milhões. Resultado:
a Norte Energia assumiu as ligações das residência, mas as obras ainda não
foram iniciadas.
Outro empreendimento é o Hospital
Geral de Altamira, com 103 leitos. O estabelecimento está pronto há um ano e
ainda não foi ocupado. A prefeitura disse que está preparando o local para a
transferência do hospital antigo. Um aterro sanitário também foi construído,
mas já teve de passar por obras de reparo por causa do mau uso. Por enquanto, a
única melhoria visível é a retirada das enormes palafitas da cidade. O local,
onde antes viviam milhares de pessoas em condições sub-humanas, hoje começa a
ganhar contornos de um grande parque, que será entregue no fim do primeiro
semestre. “Altamira é a cidade polo da região. Ela vai sobreviver ao fim das
obras de Belo Monte”, diz Fischer. “Além disso, teremos depois o projeto Belo
Sun (projeto de mineração no Xingu), e esperamos não ficar órfãos do poder
público.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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