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domingo, 29 de maio de 2016

Amaonia, é mesmo um sonho: Afuá



Afuá: Uma cidade amazônica inteiramente construída sobre as águas, onde só a bicicleta tem vez
POR: ANDREA BANDONI FOTOS: ANDREA BANDONI E FRANCISCO VELOSO
Edição 266 - Maio/2016





 1. Praça principal da cidade, à beira do rio Afuá. Em pelo menos três pontos da cidade foram construídas praças que servem de encontro e de palco para eventos maiores, com bares, lanchonetes, cafés, playgrounds e jardins

Em um cenário de muito calor, rios, marés e Floresta Amazônica, surge Afuá. A chamada "Veneza Marajoara" ou "Amsterdã dos Trópicos" nada tem de europeia. Um olhar mais atento revela uma realidade exótica, instigante e que pode nos ensinar lições e lançar desafios que a Europa nunca teria sido capaz. 

Marajó fica no Estado do Pará e é a maior ilha flúvio-marítima do mundo, na Foz do Amazonas. A noroeste da ilha, em uma área próxima ao Amapá, localiza-se Afuá. A maneira mais comum de chegar à cidade é por barco, a partir de Macapá - trecho que numa voadeira leva aproximadamente duas horas. Entrecortada por rios, é uma área alagada, com vegetação exuberante e forte influência de marés devido ao volume dos rios amazônicos e ao encontro com o Atlântico. 

Afuá é inteiramente construída sobre o rio, entre braços de água labirínticos onde o Amazonas leva outros nomes. Afuá acontece como se as casas ribeirinhas amazônicas - que são de madeira sobre palafitas, vistas em qualquer parte da região - não quisessem mais ficar isoladas e se agrupassem para formar um tipo novo de cidade.

A CIDADE E A ÁGUA

Na área mais antiga de Afuá, onde estão o porto, a igreja e o hospital, há poucas ruas de concreto. Ali ficam construções de alvenaria, como o prédio mais alto da cidade, um hotel de três andares. O restante é de madeira, elevado do solo que é puro lodo - com mato e plantas que não param de crescer no clima ultrafértil amazônico. A cidade, inclusive, abraça a farta vegetação, incluindo árvores típicas da Amazônia. 

A conexão com a água é crucial: Afuá pousa em cima de estruturas a aproximadamente 1,5 m do terreno, permitindo o alagamento do seu subsolo. Ruas e espaços públicos acompanham este desnível. Isso permite que a cidade lide não só com as mudanças nas marés, que acontecem diariamente, mas também com as estações de chuvas e cheias. Áreas mais internas, onde há pequenos córregos ou igarapés, são contornadas pelas estruturas de madeira, mostrando que apesar da ocupação pouco ordenada, há regras que são mantidas, sendo a principal delas a convivência com a água. 

2. Ruas típicas de Afuá, com piso de madeira. A natureza faz parte da cidade e da vida dos moradores, e automóveis são proibidos. Algumas casas de Afuá possuem pontes que ligam cada unidade às vias de circulação públicas. Numa época de seca, cada casa parece ter seu próprio jardim

Outra regra de Afuá é a proibição de carros e de motos, por lei municipal. Como o nível térreo é construído e apoiado em estruturas de madeira sobre a várzea, somente a circulação de bicicletas é viável. Afuá tem uma escala própria. A ausência de automóveis confere outros sons e odores à cidade, fazendo dela uma experiência sensorial nova, que casa de um jeito especial com o calor e a umidade amazônicos. Com aproximadamente 40 mil habitantes e 15 mil bikes, a cidade é, de fato, uma gigante ciclovia de madeira, sem separações entre ciclistas e pedestres. 

A onipresença da bicicleta fez com que os moradores passassem também a adequar este objeto às necessidades urbanas. Há muita customização criativa, com bikes transformadas em veículos que só existem ali: vendedores e carregadores possuem uma base acoplada na frente da bicicleta, numa espécie de triciclo com lugar para expor os produtos ou transportar mercadorias; os bicitáxis são duas bikes unidas com mais dois lugares para passageiros, e cobertura para o sol. Várias bicicletas acoplam sistema de som e ora estão anunciando, ora levando pessoas para a agitação de sábado à noite. Ambulâncias e bombeiros assemelham-se aos táxis, mas com detalhes diferentes.

ESPAÇOS PÚBLICOS E SEMIPÚBLICOS

No inverno amazônico, época das chuvas, a cidade fica alagada e muitas soluções vistas na época da seca irão fazer sentido. Como as casas estão geralmente a uma pequena distância da rua de madeira, e como não há calçadas, há uma espécie de "ponte" ligando a rua com cada casa, que podem conter portões (pouco úteis na seca, mas que dão uma graça pitoresca). 

O espaço público de Afuá é a rua: tudo acontece nas vias de madeira que se interligam para formar a cidade, circundando árvores e riachos. Elas são estreitas, têm sempre movimento, gente passando a pé ou de bicicleta, vendedores ou crianças brincando. Em pelo menos três pontos de Afuá foram construídas praças que servem de encontro e de palco para eventos maiores. Nestas praças há bares, lanchonetes, cafés, playgrounds e jardins. Em uma delas há uma quadra de esportes coberta, pública, e um palco - também há sessão de cinema ao ar livre. 

Há, ainda, outra tipologia de espaço público: pequenas estruturas com pérgolas, vegetação e bancos, que parecem uma espécie de mirante ou terraço, e servem como pequenas praças. As próprias casas complementam o espaço público - quase todas têm varandas, o que faz delas extensão das ruas, espaços de transição que ajudam a fortalecer a vida da cidade. A pista de pouso do aeroporto de Afuá, pouco usada para este fim, é tomada por crianças no final da tarde, hora em que o sol abranda e é possível empinar pipas ou jogar bola na pista cercada por terrenos baldios.
continua...

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