Afuá: Uma
cidade amazônica inteiramente construída sobre as águas, onde só a bicicleta
tem vez
POR: ANDREA BANDONI FOTOS: ANDREA BANDONI E FRANCISCO VELOSO
Edição 266 - Maio/2016
1. Praça
principal da cidade, à beira do rio Afuá. Em pelo menos três pontos da cidade
foram construídas praças que servem de encontro e de palco para eventos
maiores, com bares, lanchonetes, cafés, playgrounds e jardins
Em um cenário de muito calor,
rios, marés e Floresta Amazônica, surge Afuá. A chamada "Veneza
Marajoara" ou "Amsterdã dos Trópicos" nada tem de europeia. Um
olhar mais atento revela uma realidade exótica, instigante e que pode nos
ensinar lições e lançar desafios que a Europa nunca teria sido capaz.
Marajó fica no Estado do Pará e é
a maior ilha flúvio-marítima do mundo, na Foz do Amazonas. A noroeste da ilha,
em uma área próxima ao Amapá, localiza-se Afuá. A maneira mais comum de chegar
à cidade é por barco, a partir de Macapá - trecho que numa voadeira leva
aproximadamente duas horas. Entrecortada por rios, é uma área alagada, com
vegetação exuberante e forte influência de marés devido ao volume dos rios
amazônicos e ao encontro com o Atlântico.
Afuá é inteiramente construída
sobre o rio, entre braços de água labirínticos onde o Amazonas leva outros
nomes. Afuá acontece como se as casas ribeirinhas amazônicas - que são de
madeira sobre palafitas, vistas em qualquer parte da região - não quisessem
mais ficar isoladas e se agrupassem para formar um tipo novo de cidade.
A CIDADE E A ÁGUA
Na área mais antiga de Afuá, onde
estão o porto, a igreja e o hospital, há poucas ruas de concreto. Ali ficam
construções de alvenaria, como o prédio mais alto da cidade, um hotel de três
andares. O restante é de madeira, elevado do solo que é puro lodo - com mato e
plantas que não param de crescer no clima ultrafértil amazônico. A cidade,
inclusive, abraça a farta vegetação, incluindo árvores típicas da Amazônia.
A conexão com a água é crucial:
Afuá pousa em cima de estruturas a aproximadamente 1,5 m do terreno, permitindo
o alagamento do seu subsolo. Ruas e espaços públicos acompanham este desnível.
Isso permite que a cidade lide não só com as mudanças nas marés, que acontecem
diariamente, mas também com as estações de chuvas e cheias. Áreas mais
internas, onde há pequenos córregos ou igarapés, são contornadas pelas
estruturas de madeira, mostrando que apesar da ocupação pouco ordenada, há
regras que são mantidas, sendo a principal delas a convivência com a água.
Outra regra de Afuá é a proibição
de carros e de motos, por lei municipal. Como o nível térreo é construído e
apoiado em estruturas de madeira sobre a várzea, somente a circulação de
bicicletas é viável. Afuá tem uma escala própria. A ausência de automóveis
confere outros sons e odores à cidade, fazendo dela uma experiência sensorial
nova, que casa de um jeito especial com o calor e a umidade amazônicos. Com
aproximadamente 40 mil habitantes e 15 mil bikes, a cidade é, de fato, uma
gigante ciclovia de madeira, sem separações entre ciclistas e pedestres.
A onipresença da bicicleta fez
com que os moradores passassem também a adequar este objeto às necessidades
urbanas. Há muita customização criativa, com bikes transformadas em veículos
que só existem ali: vendedores e carregadores possuem uma base acoplada na
frente da bicicleta, numa espécie de triciclo com lugar para expor os produtos
ou transportar mercadorias; os bicitáxis são duas bikes unidas com mais dois
lugares para passageiros, e cobertura para o sol. Várias bicicletas acoplam
sistema de som e ora estão anunciando, ora levando pessoas para a agitação de
sábado à noite. Ambulâncias e bombeiros assemelham-se aos táxis, mas com
detalhes diferentes.
ESPAÇOS PÚBLICOS E SEMIPÚBLICOS
No inverno amazônico, época das
chuvas, a cidade fica alagada e muitas soluções vistas na época da seca irão
fazer sentido. Como as casas estão geralmente a uma pequena distância da rua de
madeira, e como não há calçadas, há uma espécie de "ponte" ligando a
rua com cada casa, que podem conter portões (pouco úteis na seca, mas que dão
uma graça pitoresca).
O espaço público de Afuá é a rua:
tudo acontece nas vias de madeira que se interligam para formar a cidade,
circundando árvores e riachos. Elas são estreitas, têm sempre movimento, gente
passando a pé ou de bicicleta, vendedores ou crianças brincando. Em pelo menos
três pontos de Afuá foram construídas praças que servem de encontro e de palco
para eventos maiores. Nestas praças há bares, lanchonetes, cafés, playgrounds e
jardins. Em uma delas há uma quadra de esportes coberta, pública, e um palco -
também há sessão de cinema ao ar livre.
Há, ainda, outra tipologia de
espaço público: pequenas estruturas com pérgolas, vegetação e bancos, que
parecem uma espécie de mirante ou terraço, e servem como pequenas praças. As
próprias casas complementam o espaço público - quase todas têm varandas, o que
faz delas extensão das ruas, espaços de transição que ajudam a fortalecer a
vida da cidade. A pista de pouso do aeroporto de Afuá, pouco usada para este
fim, é tomada por crianças no final da tarde, hora em que o sol abranda e é
possível empinar pipas ou jogar bola na pista cercada por terrenos baldios.
continua...
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