Contra a corrente, guardiões da floresta lutam para manter a Amazônia em pé
Área da
reserva onde foi construída uma estrada e uma ponte
para escoar madeira ilegal
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
“Uma estrada saía da vila do Guariba, passava por
uma fazenda e ia para dentro da Reserva Extrativista Guariba Roosevelt. Essa
estrada não tinha outro caminho, não tinha outra finalidade senão entrar na
Resex. Lá foi encontrada uma esplanada onde se explorava madeira e era escoada
por essa estrada para, provavelmente, ter toras esquentadas em Guariba mesmo,
pois não vale a pena transportar a madeira bruta para muito longe. É provável
que essas toras tenham sido serradas em Guariba e escoadas como legais”,
conta o promotor.
Gerente da reserva, o funcionário da Secretaria de
Meio Ambiente José Cândido Primo contou que a estimativa é que 4 mil cubos de
madeira tenham sido retirados da Resex só no ano passado. “No distrito Guariba
tem 42 serrarias no papel. Instaladas, são 18. Aptas para operar, são apenas
8.” Segundo ele, existe uma operação montada na região para forjar notas e
transformar madeira ilegal em legal.
Ailton, que é presidente da Associação de
Moradores, disse que os órgãos de fiscalização têm ido cada vez mais à reserva,
o que era raro no passado. Ele defendeu a delimitação da área da reserva como
medida para impedir invasões e deixar claro a área protegida. “Hoje não tem
placa, cerca, nada. Isso vai facilitar até para que nós, moradores, também
possamos ajudar a fiscalizar.”
Alisio Pereira dos Santos vive próximo ao irmão
Ailton em uma colocação [área reservada a cada família, com espaço para casas,
roça e pontos de extrativismo] às margens do Rio Guariba, também na comunidade
de São Lourenço, dentro da Resex Guariba Roosevelt.
Alisio Pereira dos Santos, morador de São Lourenço,
reclama dos impactos do desmatamento e das queimadas ao redor da Resex Guariba-Roosevelt
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Nascido e criado em São Lourenço, Alísio lamenta
ter visto o desmatamento avançando tão rapidamente na região. “Apesar de a
gente cuidar e manter a floresta conservada aqui na reserva, essa destruição
total da mata em volta da área protegida está levando à diminuição de animais
de caça e do volume da água do Rio”, avalia. Ele contou que nos últimos 20
anos, sempre a partir de agosto, a fumaça toma conta de toda a região. “É uma
prática generalizada, especialmente entre grileiros”, lamenta. “A gente
ainda come carne de bicho do mato, mas está difícil caçar por aqui
agora. Os catetos, os veados, foram embora por causa das queimadas anuais.”
O especialista e chefe do Ibama Evandro Selva
explicou que, após a destruição da mata original, é difícil recuperar a
floresta e alcançar a mesma variedade de biodiversidade e equilíbrio entre
espécie das originais. “Não existem cálculos precisos de quando uma floresta
secundária vai atingir esse potencial em termos madeireiros e não madeireiros,
mas estimo muito mais de 100 anos. Temos acompanhado florestas secundárias em
campo e, às vezes, a pobreza da biodiversidade é tanta que poucas espécies
sobrevivem nas áreas. Temos experiência com florestas de mais de 20 anos em que
nunca foi registrada uma onça passando. Então, calculamos mais de 100 anos para
alcançar a riqueza da original”, diz Selva.
Reserva Guariba-Roosevelt
Comunidade sobrevive da coleta da
castanha
Criada em 1996, a Guariba-Roosevelt é a única
reserva extrativista de Mato Grosso e é uma das últimas áreas de extrativismo
tradicional no estado. A comunidade sobrevive da coleta da castanha, do óleo de
copaíba e da borracha. Atrás das casas de madeira construídas nas margens do
Guariba, a distância segura das variações do rio, também praticam agricultura
orgânica para subsistência
Colocação
típica da comunidade São Lourenço
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
A área inicial da reserva era de 57.630 hectares,
mas sempre foi considerada insuficiente pelos moradores da região, que contam
que a área abrangia apenas 7 das 40 colocações da comunidade no Rio Guariba. Ou
seja, a maior parte das áreas de roças, os castanhais, os seringais nativos e
os locais privilegiados de pesca, coleta e caça estavam fora do limite
protegido. Em 2007 a reserva foi ampliada para 138.092 hectares.
Além das colocações nas margens do Guariba, a Resex
abrange outras comunidades que vivem nas margens no Rio Roosevelt.
Em 2015, numa decisão que foi revogada
posteriormente pelo estado, a área foi reduzida para o limite original pela Lei
10.261/2015. Em abril do mesmo ano, o governo do estado voltou atrás na decisão
e ampliou a área por meio de um decreto.
A criação da reserva extrativista estadual ainda
não garantiu regularização fundiária da área protegida. Os fazendeiros que têm
terras na região estão com as propriedades interditadas e aguardam indenização.
Quando a área foi criada, em 1997, constavam registros e processos de títulos
definitivos em favor de 37 proprietários, entre pessoas físicas e jurídicas.
Transporte precário deixa
população vulnerável e dificulta o acesso à saúde, educação e programas sociais
As famílias que vivem na comunidade de São
Lourenço, na Resex, enfrentam dificuldades de locomoção devido à falta de
infraestrutura de transporte no local.
Um dos principais problemas relatados pelas
famílias é a dificuldade de buscar atendimento médico em casos de urgência e de
acessar políticas públicas.
Barcos são o principal meio de transporte dos
moradores
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Beneficiária do Bolsa Família há cinco anos,
Artemísia Alves dos Santos tem quatro filhos e recebe R$ 250 por mês. Ela
contou que as mulheres da comunidade viajam em condições precárias para buscar
o benefício na cidade de Aripuanã todos os meses, sem o apoio da prefeitura.
“Quando chega o dia do recebimento, ficamos na dependência de carona para irmos
até a cidade. Às vezes vamos na carroceria de caminhões, às vezes, de moto. Se
eu tiver que pagar para ir até a cidade, custa mais de R$ 300, não compensa”,
explicou. Artemísia lembrou que os aposentados da comunidade enfrentam o mesmo
problema.
continua...
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